LEGENDA
Era uma vez em dois mil e doze, era uma outra vez em dois mil e quinze. A primeira vez dezoito anos, a segunda, vinte e dois. Três anos, duas barrigas. Karine era quase a mesma, olhos voltados para baixo, sorriso guardado escondendo um pouco mais de tristeza e a falta do dente. Uma vez menina, uma outra, menina grande. Na primeira esquina, Alameda Santos, camiseta listada de azul, gorro, e a calça molhada de urina. Há sete meses carregava o bebê na barriga.
- E quando ele estiver fora?
Três
anos depois, uma barraca de plástico preto fixada na calçada da
Alameda Ministro Rocha Azevedo, outra barriga. Banheiro usava o da praça, as roupas presas na grade por cima da barraca. O companheiro, sentado num banco, olhava pra mim pronto pra agir, caso necessário.
-
Esse é meu primeiro filho, é dele ali. Ontem o rapa passou e tirou tudo que é
nosso, tão limpando a cidade pro Natal. Só deixou a roupa do corpo, agora a
gente tem que ir buscar tudo, e é
longe. Eu não vou. Fiz até o primeiro ano, tenho seis irmãos, minha mãe arrumou um namorado
e largou meu pai, aí ele não aguentou. Ele morreu e eu fui embora, não quero
mais ver ela. Ela tá por aí, acho que na casa da minha irmã, eu não vou lá.
Minha mãe foi uma filha da puta com o meu pai. O pessoal passa na rua e joga
coisa na gente, outro dia eu tava ali, na frente daquele restaurante, e quase
que me acertaram. Eu fico sempre por aqui, pode vim outro dia. O rapa tira, mas
a gente volta. Já usei muita droga, de todo o tipo, agora parei. O crack é a pior delas.
- E o seu filho, Karine?
-
Eu sei, vou me cuidar.
- E quando ele estiver fora?
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