quinta-feira, 26 de novembro de 2015

CAIXA POSTAL



Vou aproveitar o post desta semana para dar início a mais um movimento. Por estar em contato direto com as moradoras de rua e presenciar necessidades de todas as espécies, decidi ter uma Caixa Postal para receber todo tipo de doação:

Beatriz Grimaldi
72398
São Paulo- SP
CEP: 01427-970

Como estamos perto do Natal, penso que independente das necessidades básicas as doações possam ser de categorias diversas. Algo que você daria para uma pessoa querida. Converso com mulheres de todas as idades, e, por isso, tudo é muito bem vindo. O que for fácil pra você.
 Não podemos perder de vista algo muito simples que constato a cada encontro. Delicadezas também fazem parte desse universo feminino.
O pedido que faço é para todos.Você só terá que ir a uma agência de correio.
Quem preferir doar uma quantia em dinheiro, para que eu compre o presente, acesse meu Facebook: Beatriz Grimaldi,  e deixe uma mensagem inbox.


SUGESTÕES :
Havaianas (35 à 38)
Sapatos/Sandálias (35 à 38)
Livros, cadernos e canetas.
Escova de dentes e pasta, escova de cabelo,  absorventes, perfume, baton e esmalte.
Bolsas
Mochilas
Camisetas
Casacos
Calças de moleton e legs
Cobertores
Brincos, pulseiras, lenços ou qualquer tipo de enfeite.
Toucas, meias e luvas.
Alimentos não perecíveis e que não precisem de preparo.
Etc…

 A distribuição para o Natal será realizada no período de 17 à 22 de dezembro em vários pontos da cidade.
Vamos contar uns com os outros, unindo forças. A resistência em acreditar que podemos ter uma sociedade melhor, pode e deve ser afrouxada. Soluções partem também de pequenos movimentos. Ao invés de reclamar vamos agir !

Muito obrigada à todos!



sábado, 21 de novembro de 2015

DIÁLOGOS - SAMIRA E DEISE

         
   Uma ilha de gente e barracas. Um canteiro sem flores divide as avenidas. Correm os carros nas duas direções. Uma plantação de homens. Posso ver duas mulheres dentro das casas de plástico. A guerra estende-se em diferentes bairros. Não há prédios e a falta de ar tem cheiro de crack. É só atravessar a rua e cair no outro lado do mundo. A mente rápida fica acuada, mapea  a possibilidade de erro. Um território de drogas, mas não de brigas.
            - São vagabundos que não querem trabalhar. Não vá lá, nunca se sabe o que pode acontecer, alerta o vendedor de caldo de cana
            Uma menina de vinte e três anos, grávida de cinco meses, Samira também não atravessou. Estava do lado de cá procurando por comida, nos encontramos. Um encontro de fome e crack, poucas palavras. - Quero sair das drogas, preciso de ajuda. Uso a droga e depois durmo, é isso que eu faço. Já roubei, já fui presa, foi lá que parei de usar. A droga leva a tudo: a falência, a morte. Tem dois caminhos: o caixão e o cemitério. Saí de casa tem treze anos. Tô com fome. Ela me espera, escreve no caderno enquanto ando até a esquina, o dono do restaurante doa cinco marmitex por dia. Ela perdeu a vez. Compro um prato de comida, dois. Procuro um abrigo para mulheres, perto dali um lugar que aceita somente homens. Oitenta e cinco leitos e banho. Saem durante o dia para trabalhar e voltam para dormir. Com o dinheiro que fazem, oitenta a cem reais por dia, compram drogas e bebida. Cachaça e crack são os escolhidos. - Oitenta e cinco por cento deles é soro positivo, por isso não há possibildade de deixar as ruas, o educador afirma. Só continuam vivendo, esperando. Pra eles tanto faz. Tem um lugar igual a esse que é para mulheres, mas é longe daqui. Pego o endereço. Na rua da volta, Deise: vinte e nove anos, três filhos, lágrimas nos olhos e o crack nas mãos.  A vida e a desgraça tornam-se mercadoria barata.
            - Você não precisa de dinheiro pra fumar, mais fácil eles te darem uma pedra que um prato de comida. Você não vê que não fico lá com  eles, fico aqui no meu canto. Hoje levaram meu sapato. Tô descalça. Eles não são perigosos, isso é coisa que inventam. As pessoas gostam de viver com medo. Eles se drogam e depois dormem. Quero sair da rua, quero sair das drogas, sei que isso tá me matando e eu não quero morrer. Amanhã na esquina fica uma Kombi parada com a assistente social; é só ir até lá.

                                             
  

NO REINO DA IMPOTÊNCIA






Av. Gastão Vidigal/ R.Potsdam/ R.Heliópolis/R.Teerã/ R. Aperca/ R.Avelino Chaves/ R. Baumann

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

EM UM ASSOPRÃO - DUAS CASAS


      Somos bocas gritando dentro de um mesmo oceano. Somente os peixes respiram em águas profundas, e mesmo assim precisam regressar a superfície para poder proteger seus órgãos vitais. 


        Piso no árido dos desafetos,  caminho por entre os corpos que se movem no chão. Não há trincheiras, o inimigo pede por socorro quarteirão em quarteirão. Uma guerra sem tiros. A fumaça branca que sai dos bueiros não oferece riscos aos seres humanos, mata apenas  animais de sangue frio que passeiam pelo chão da casa. Sem cômodos, cantos, nem portas a serem fechadas, os casulos pretos, barracas de nylon, caixotes de papelão e colchões, não oferecem perigo. Nessas casas sem parede o que sobra são os corpos. Não há gavetas, armários, coisas. Não têm cozinha, roupas, banheiro, livros. O estômago prensa os outros órgãos. Não têm pão. Tenta se esquecer da fome com a água da saliva. A língua seca lixa o céu da boca. Vive-se de goles, pingos, restos e esquinas. Encurralados nos vãos abertos, esfriam as costas no cimento enquanto adormecem olhando para o céu. Noites que duram nos dias.
     A tensão range no asfalto e no carpete da sala. O barulho dos passos não é o mesmo. Onde há portas é melhor trancá-las. Os corpos querem sair por elas e não mais voltar. O mundo é mesmo assim. Olhos mágicos não autorizam qualquer tipo de serviço, a campanhia avisa que tem alguém atrás da porta. O tempo acabou no relógio e é difícil entrar. Os seres em circulação quando esbarram-se, confundem-se. A casa os protege, mas é preciso ir. Há móveis na sala: lisas plataformas que apoiam coisas. Não há rugosidade aparente, nem no pensamento. Tudo se assemelha, e o medo deixa rastros. Os entes adultos engatinham para os cantos,  choram e se esquecem lá. 
     O cachorro que late vigia o lado de fora da casa, acolhe o lado de dentro da rua. O cachorro lambe, mas pode transmitir raiva. Sacrifica-se o amor.
   Os rostos dos mais educados ficam vermelhos quando o sangue perde o caminho do meio e se esparrama rompendo barragens. O grito é uma espécie de furo por onde o ar escapa. Profundo esvaziamento. Há famílias olhando pelos buracos de fechadura, os vizinhos. Empresta-se uma xícara de açúcar, é preciso sobreviver nos momentos de suicídio.
    As casas da rua continuam caminhando mesmo que não haja caminho. O rosto da rua não cora, a raiva é vertical. Vestem-se os seres do abandono. Os de dentro e os de fora.

     Os moradores de rua não choram?




Casa (do latim casa) é, no seu sentido mais comum, um conjunto de paredes construídas pelo ser humano cuja a função é construir um espaço de moradia para um indivíduo ou conjunto de indivíduos. De tal forma que eles estejam protegidos dos fenômenos naturis exteriores(como a precipitação, o vento, o calor e frio, entre outros), além de servir de refúgio contra ataques de terceiros.'


            

CASA

 

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

CHRISTIANE


                Uma subida íngreme, três quarteirões e, a minha esquerda,  Avenida Rebouças, mais barulhenta em dias de feriado. Os hospitais agigantam-se e um conjunto de sirenes cria esferas separando os meus ouvidos do mundo. Pelas calçadas os cacos do final de semana acolchoam as pisadas. Um hotel de poucos quartos e de pouco trato faz esquina na Alameda Santos. Encostada a sua parede, uma estatueta de gesso em forma de mulher repousa os seios pixados de vermelho, pedaço de qualquer coisa.  Os carros ali não atingem muita velocidade, avizinham-se os vidros fumês. O próximo trecho é um emparelhamento de pequenos negócios: estacionamentos, lojinhas vendendo objetos de alguma espécie e um tipo de bar. Negócios três por quatro, mesma cor e mesmo formato. Não há memória para lembrá-los.  As bicicletas  harmonizam-se uma quadra acima, bonito ver a felicidade rodando em aros prateados. Do alto do viaduto vejo a rua repleta de homens. Homens de sol e pelos no rosto, que ainda dormem a mesma manhã que já é metade. Alguns poucos começam a abrir os olhos, mas nunca a boca. Aprenderam a guardar dentro dela a fumaça dos cigarros, a falta de dentes e as palavras. Enrolados em cobertores criam uma segunda pele, escudo para todo tipo de tiro. Estes  homens sem nome dormem nos viadutos, nas ruas e nas praças dos homens de grandes nomes, homenageados  em placas azuis, àquelas que nos situam no mundo: Av Brigadeiro Faria Lima, Rua Teodoro Sampaio, Rua Novo Horizonte, Rua Raízes do Brasil, Rua Minas Gerais… A falta de mãe e pátria os esquece no asfalto.
            Nesse dia a rua era deles. As mulheres não estavam, não dormiam e nem por ali andavam. Talvez tivessem saído para espalhar seus seios e amamentar  seus filhos espalhados pela cidade, talvez fossem procurar pelos seios que cedo desencaixaram-se de suas bocas pequenas. Mulheres mães em busca de suas mães a mamar até o fim dos dias, até a eternidade. Ou sentaram suas lágrimas e risadas, gastando as pontas dos dedos no crack, nos baseados, aquecendo a garganta e os órgãos nos goles de álcool, enchendo o nariz de farinha para acolher a alma em algum outro lugar.
         Você não, te vi na contramão da rua, na ciclo faixa,  na hora da volta. Uma olhada rápida, retrocedi alguns passos. Você, desconfiada. Ofereci-me para um papo, os ritmos acelerados. O ponto de táxi era o que tínhamos de mais próximo. Um tempo de ajuste e a sua história era contada de  lentamente como se cada palavra dita fosse uma forma de apagá-la. Desencaixavam-se do todo, um quebra-cabeças sem algumas peças: a falta dos pais, os irmãos que te abandonaram, a perda de algumas posses; tudo era palavra no mesmo instante esquecimento. Então você falou do seu alcoolismo, da sua vontade de ajustes. Te contei histórias e mais histórias, foi assim que nos encontramos. Combinamos  um próximo encontro. Quarta feira rua Augusta com Alameda Santos, às 15hs00. Sabíamos que iríamos. Corri para chegar na hora. Virei na Alameda Santos, meus pensamentos eram de tantas espécies. Caminhei acelerado, lá estava você, não fazíamos parte de nenhum livro. Éramos a história abrindo seus poros. Uma outra respiração. Uma primeira tentativa.

DO CONTENTAMENTO




É e é - É e não é




ANATOMIA DO CAMINHO