sábado, 21 de novembro de 2015

DIÁLOGOS - SAMIRA E DEISE

         
   Uma ilha de gente e barracas. Um canteiro sem flores divide as avenidas. Correm os carros nas duas direções. Uma plantação de homens. Posso ver duas mulheres dentro das casas de plástico. A guerra estende-se em diferentes bairros. Não há prédios e a falta de ar tem cheiro de crack. É só atravessar a rua e cair no outro lado do mundo. A mente rápida fica acuada, mapea  a possibilidade de erro. Um território de drogas, mas não de brigas.
            - São vagabundos que não querem trabalhar. Não vá lá, nunca se sabe o que pode acontecer, alerta o vendedor de caldo de cana
            Uma menina de vinte e três anos, grávida de cinco meses, Samira também não atravessou. Estava do lado de cá procurando por comida, nos encontramos. Um encontro de fome e crack, poucas palavras. - Quero sair das drogas, preciso de ajuda. Uso a droga e depois durmo, é isso que eu faço. Já roubei, já fui presa, foi lá que parei de usar. A droga leva a tudo: a falência, a morte. Tem dois caminhos: o caixão e o cemitério. Saí de casa tem treze anos. Tô com fome. Ela me espera, escreve no caderno enquanto ando até a esquina, o dono do restaurante doa cinco marmitex por dia. Ela perdeu a vez. Compro um prato de comida, dois. Procuro um abrigo para mulheres, perto dali um lugar que aceita somente homens. Oitenta e cinco leitos e banho. Saem durante o dia para trabalhar e voltam para dormir. Com o dinheiro que fazem, oitenta a cem reais por dia, compram drogas e bebida. Cachaça e crack são os escolhidos. - Oitenta e cinco por cento deles é soro positivo, por isso não há possibildade de deixar as ruas, o educador afirma. Só continuam vivendo, esperando. Pra eles tanto faz. Tem um lugar igual a esse que é para mulheres, mas é longe daqui. Pego o endereço. Na rua da volta, Deise: vinte e nove anos, três filhos, lágrimas nos olhos e o crack nas mãos.  A vida e a desgraça tornam-se mercadoria barata.
            - Você não precisa de dinheiro pra fumar, mais fácil eles te darem uma pedra que um prato de comida. Você não vê que não fico lá com  eles, fico aqui no meu canto. Hoje levaram meu sapato. Tô descalça. Eles não são perigosos, isso é coisa que inventam. As pessoas gostam de viver com medo. Eles se drogam e depois dormem. Quero sair da rua, quero sair das drogas, sei que isso tá me matando e eu não quero morrer. Amanhã na esquina fica uma Kombi parada com a assistente social; é só ir até lá.

                                             
  

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